Maria é uma personagem sujeita a experimentações estéticas e conceituais, com inspiração clara na obra máxima de Henfil, o Fradim. Para discutir as questões de gênero, fugindo um pouco do embate direto com o regime de exceção, Maria volta à infância para discutir de forma indireta o confronto de poder que se dá pelos papéis sociais representados pelo homem e pela mulher.
Esse tema não tem nada de estranho à trajetória de Maria, que sempre teve uma postura crítica sobre os conflitos do cotidiano. A edição, lançada em 1983, retrata a distensão do regime, que embora ainda mantivesse sua estrutura autoritária, vivia o esgotamento pelo avanço das lutas políticas e sociais. A liberdade conquistada de organização partidária pulverizou as lutas no país, abrindo espaço para mais visibilidade das questões ditas minoritárias, ligadas aos negros, mulheres, indígenas e homossexuais.
Nesse contexto, Maria aborda de forma incisiva o machismo dominante na família e na sociedade brasileira, em que as personagens infantis, embora reprodutoras dos padrões estabelecidos, expõem as contradições das relações de gênero dos adultos. E, claro, Maria se coloca como a questionadora, apropriadamente no universo infantil.
Esta edição é composta de duas histórias longas, o que avança na experimentação da personagem na linguagem dos quadrinhos. Maria constituiu-se como uma personagem de tiras, de histórias curtas e certeiras. Com as histórias longas, procuro trabalhar melhor cada tema, abordando as nuanças que suscitam.
Outra característica importante é que a revista sai pelas Edições Macunaíma, setor da Oficina Literária, órgão ligado à Fundação Espaço Cultural. A Oficina Literária era dirigida pelo poeta Antônio Arcela, que movimentou a cena cultural na época. As Edições Macunaíma criaram a "Coleção Cartunistas paraibanos hoje", da qual fui editor de quadrinhos.
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