Devido às limitações tecnológicas, os jogos digitais inicialmente continham poucos recursos para contar histórias, manifestando progressivamente tipos distintos de narrativa até convergir com o cinema e empreender um desprendimento da sétima arte para consolidar a sua própria linguagem. Como manifestação humana anterior a própria cultura, o jogo possui autossuficiência linguística e narrativa devido principalmente à mecânica, que é um dos seus principais componentes.
Este trabalho levanta a hipótese do potencial dos jogos de proverem experiências estéticas por meio da mecânica, considerando suas especificidades narrativas e sua capacidade de significação de eventos emergentes em detrimento de histórias roteirizadas. Trata-se da necessidade de compreender e analisar a autonomia narrativa dos jogos digitais provida pela mecânica, cuja crescente capacidade de prover emergência e narratividade conduz-nos a levantar a hipótese de seu potencial de propiciar experiências estéticas similares ao de produtos audiovisuais pautados inteiramente na narratologia. Em outras palavras, significa entender a capacidade crescente da mecânica dos jogos possibilitarem - de forma independente - histórias não roteirizadas oriundas dos jogadores, porém dotadas de causalidade e sentido.
O jogo The Legend of Zelda: Breath of the Wild (Nintendo, 2017) foi selecionado como objeto do modelo de análise aqui estabelecido porque além de ser um jogo de mundo aberto com pouca história explícita, foi projetado pelos desenvolvedores para focar na experiência narrativa dos jogadores. Trata-se de um jogo que retorna às origens do primeiro jogo de 1986 lançado para o NES (Nintendo Entertainment System), e que apesar de conter gráficos dignos da oitava geração de videogames, ambos partilham os mesmos princípios de simplicidade em suas mecânicas. Ambos os jogos concedem bastante liberdade para explorar o reino de Hyrule, por sua vez composto por áreas variadas com obstáculos e inimigos de dificuldade variável, cabendo ao jogador decidir dentre inúmeras possibilidades que criam uma infinitude de jornadas distintas. |