“Na natureza, nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma” – já dizia Lavoisier. E “na cultura, nada se ganha, nada se perde, tudo se copia” – reza a anedota de artistas. De fato, os animais realizam mimese e as máquinas fazem emulação. Mimese é a imitação criativa, que interpreta o objeto imitado. Emulação é a replica virtual, a duplicação configurada do objeto.
Na mimese, há uma consciência interpretante, criativa e crítica. Que sutilmente compara o objeto copiado ao seu modo, agregando-lhe outras referências. Assemelha-se ao que Vilém Flusser chama de ‘devoração’, à assimilação antropofágica de conteúdo simbólico e sua reinterpretação.
A emulação também é preciosa. Ela permite o cruzamento de dados entre objetos comparados em uma velocidade espantosa, espelhando a realidade fragmentada em seu conjunto, descobrindo algoritmos (recorrências e variações) no aparentemente aleatório; mas não cria em um novo sentido de suas analogias. Assemelha-se ao que Jean Baudrillard chama de ‘simulação’ ou ‘simulacro’ e que hoje muitos chamam de Matrix.
Na natureza, tudo se transforma: somos a soma das pessoas que admiramos e que imitamos criativamente em nossa personalidade, meu texto é uma síntese dos textos que mimetizei em minhas leituras. Na cultura, no entanto, há apenas reprodução, mesmo que uma reprodução que planeja e re-estrutura seus próprios parâmetros de organização. Pode haver homens mecanicamente emuladores, papagaios de outros; mas não há máquinas miméticas, criadoras de novos padrões ontológicos.
E esses são os dois temas centrais do livro: Mimesis e Simulação. O livro é formado por cinco artigos com conexões. O primeiro artigo redefine mimese e diegese e estabelece a combinação de hermenêutica com a semiótica (daí o ‘casamento da palavra com a imagem’) para entender as narrativas transmídias. O artigo defende que a mesma estrutura narrativa (a intriga) que se utiliza para ficcionar também se usa para descrever a realidade.
Em seguida, apresentamos quatro textos que investigam a construção histórica e narrativa de um sujeito protagonista/narrador: Hamlet e a hermenêutica; Dante no inferno; O místico e o feiticeiro; e O Mestre dos Sonhos contra as tecelãs da intriga, a máquina trimidiática. Construímos um herói e sua antagonista. No transcorrer desses textos, define-se mimese (segundo Paul Ricouer) e Devoração (segundo Flusser), aplicando-se essas noções em diferentes momentos.
Apesar de investigar filmes, games e histórias em quadrinhos específicas isoladamente; o trabalho se pretende uma reflexão teórica sobre narrativas transmídias. Faz par (‘pareia’ como dizemos aqui no Nordeste) com outro trabalho (também editado e publicado pela Marca de Fantasia), uma pesquisa empírica descritiva sobre universos narrativos de ficção científica, em que vários conceitos e noções aqui elaboradas são aplicados a histórias seriadas audiovisuais.
Gostaria também de agradecer de público, à consideração e ao interesse do professor Henrique Magalhães pelo meu trabalho; e pelo apoio de toda equipe da revista Imaginário! – associada ao Programa de Pós Graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas da UFPB.
Marcelo Bolshaw Gomes |