Os quadrinhos independentes no Brasil têm nos dado obras magníficas, que confirmam a capacidade criativa de nossos autores. Cada vez mais os cartunistas da terra investem na divulgação de seu próprio trabalho, criando brechas de luz no muro cerrado do mercado editorial. Alhures, em contraponto ao apelo fácil dos quadrinhos norte-americanos os franceses preferiram investir em seus valores, gerando um dos maiores e melhores celeiros mundiais da arte sequencial. Tivéssemos uma indústria cultural dinâmica e inventiva, teríamos os quadrinhos brasileiros enchendo as bancas, em forma de revistas, livros e álbuns.
O que tudo isso tem a ver com Calvo? Apesar do orgulho de ver esta obra lançada pela pequena editora Marca de Fantasia, resta a frustração de não poder lhe dar a amplitude que ela merece. Como editora independente, as condições de produção são muito difíceis em termos de orçamento, de difusão e de acesso ao público. Por merecimento, Calvo seria um álbum de luxo e estaria exposto em todas as livrarias do país à disposição de um público inumerável. Mas a realidade clama.
A revista Calvo traz histórias em quadrinhos curtas criadas por Edgard Guimarães (roteiro) e Luigi Rocco (ilustração), publicadas originalmente em episódios no fanzine QI, do próprio Edgard. A reunião de suas histórias em um só volume, acrescido de uma sequência inédita, ganha importância por oferecer uma visão geral da obra, que traz ainda um histórico sobre seu desenvolvimento.
Para Edgard Guimarães, a ideia inicial para a concepção de Calvo foi utilizar o mesmo processo criativo da série Calvin, de Watterson, que lhe serve de inspiração e referência. Ao invés da fantasia, de mostrar ao leitor a imaginação da personagem, Edgard preferiu trabalhar com a alucinação, dando às histórias uma densidade maior, criando um clima mais adulto. Calvo é, dessa foram, a versão psicopata de Calvin, o que dá ao autor a possibilidade de trabalhar temas que exploram as relações doentias de nossa realidade social. Aí reside a força transgressora de Calvo, que extrapola sua origem referencial e ganha dimensões próprias, constituindo-se numa obra, sem embargo, original.
H. Magalhães
Páginas de Calvo, de Edgard Guimarães e Luigi Rocco |