Uma HQ sobre putaria de um ângulo diferente
Contraste no traço de Alberto Pessoa
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É difícil falar sobre a prostituição sem cair nos extremos de superproteção ou abominação dessas mulheres que exercem aquela, que segundo o velho clichê, é a profissão mais antiga do planeta. "Primas" já desperta imediatamente o interesse por ser um produto artístico fruto de um estágio pós-doutoral realizado pelo artista e pesquisador Alberto Pessoa na área de sociologia. A obra
trata da prostituição em regiões pobres da Paraíba, e foi baseada em uma pesquisa mais extensa
sobre o tema realizada pela professora Loreley Garcia, do departamento de Sociologia da Universidade Federal da Paraíba.
O álbum, com mais de 60 páginas, tem uma fluidez narrativa incrível. Eu o li em um só fôlego, extasiado pelo trabalho fenomenal de sombra e luz realizado por Pessoa, que investe nos contrastes absolutos, remetendo-me ao movimento estético do cinema expressionista alemão e a mestres dos quadrinhos como Alberto Breccia, Frank Miller e ao nosso grande Shimamoto, a quem a obra inclusive é dedicada. O desenho anguloso de Pessoa lembrou-me também o do espanhol Daniel Torres, mas Alberto possui já a marca indelével autoral em sua arte e mesmo diante dessas referências produz um trabalho visualmente original.
As bases arquitetônicas, a indumentária e os traços e expressões faciais das personagens revelam-nos claramente o Nordeste brasileiro, mais especificamente o estado da Paraíba, palco de sua trama, e o artista afirma que a construção visual foi toda baseada em registros fotográficos, dando ainda mais fidedignidade ao cenário. A história é ao mesmo tempo forte e singela, regional e universal, humaniza devidamente a puta, personagem chave, apresentando-a como um ser humano como qualquer outro, complexo e paradoxal. Com essa obra ímpar, Alberto Pessoa se firma como um dos nomes emergentes da HQ brasileira. Que venham muitas outras!
Edgar Franco
Nota do editor: o álbum Primas apresenta-se em duas versões, a primeira no suporte digital com 76 páginas, lançada em 2015; a segunda edição, impressa, lançada em 2016, foi ampliada para 100 páginas apresentando reformulação com mais detalhes e desdobramento da história. Esta nova edição tem a participação da editora portuguesa H-Alt, dirigida por Sérgio Santos, o que a torna uma publicação internacional. |