Amargo Despertar é um convite para desbravar os mistérios da percepção. Somos levados a descobrir um universo de conflitos perceptivos nas facetas que compõem a própria experiência perceptiva. Um pouco trapaceira, conflituosa, incerta e igualmente, reveladora, inusitada e verdadeira. É uma obra que nos envolve na estória narrada, outrora dúbia, nossa percepção se questiona constantemente ao longo dos quadros. Tentamos compreender o que se passa e quem é aquele homem. Somos surpreendidos pela revelação da própria percepção do protagonista e nos vemos parte do ato perceptivo de quem vivencia a estória. Como se o protagonista pudesse misteriosamente nos inserir dentro da sua percepção de mundo. Aliás uma percepção que oscila entre o real e o irreal dentro da ficção. Assim, em meio ao terror que atravessa a obra, descobrimos os seus enigmas.
O meu encontro com este trabalho foi uma surpresa e uma experiência estética agradável, uma obra que em essência nos envolve nos traços do desenho de Alberto Pessoa. Certa poética da sombra e do olhar é embebida por uma visualidade que se inicia no traço das tradicionais gravuras de cordel indo em direção à estética do expressionismo alemão. A sombra é tratada por Pessoa como uma forma de reforçar as incertezas do que é visto. Já os olhares das personagens são extremamente expressivos e capazes de revelar ao fruidor a percepção mais cruel dos seus donos. Um ver mais silencioso desvela ainda um fundo existencialista na construção dos olhos do protagonista. Há uma fusão entre sombra e olhos que particularmente nos faz questionar a natureza das imagens que vemos, tais olhos são mais que figuras, são uma espécie de sombras perceptivas que também nos olham. Contudo, a amplitude da experiência estética em Amargo Despertar não se encerra nesses detalhes que aqui partilhei com o leitor, por isso, essa obra é, antes de tudo, um convite que irá tocar sua percepção.
Fabíola Cristina Alves
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