A “Nota introdutoria” do livro Versos dantescos apresenta a proposta poética de Glauco Mattoso, renomado autor que se destaca no cenário poético desde a produção da “poesia marginal” e da “geração mimeógrafo” da década de 1970 no país. Segue a apresentação, pelo autor:

Para o commum dos leitores, Dante está associado às allegorias infernaes da DIVINA COMEDIA, mas para os estichologos o modello dantesco está intimamente ligado a uma engenhosa composição baseada no tercetto. Abbaixo transcrevo, de meu TRACTADO DE VERSIFICAÇÃO, o que ficou consignado no topico referente a esta modalidade de estrophação.

O poema monostrophico de trez versos é typificado universalmente pelo haikai, mas a estrophe tristicha, conhescida como tercetto, é considerada emquanto componente dum poema maior. O caso mais classico é o da terça-rhyma, immortalizada por Dante na DIVINA COMEDIA: nesse molde os tercettos são dispostos em sequencia rhymatica eschematizada em ABA / BCB / CDC / DED e assim por deante, de forma que o primeiro e o terceiro versos rhymem entre si e com o segundo verso do tercetto anterior. O poema se fecha com uma linha addicionada ao ultimo tercetto e que rhyma com o segundo verso delle. Em termos brazileiros, um exemplo estaria em “Ultima jornada” de Machado de Assis, que termina nestas estrophes:

Lava os olhos na viva aurora pura (A)
Em que vê penetrar, ja longe, aquella (B)
Doce, mimosa, virginal figura. (A)

Assim no campo a timida gazella (B)
Foge e se perde; assim no azul dos mares (C)
Some-se e morre a fugidia vela. (B)

E nada mais se viu fluctuar nos ares; (C)
Que elle, bebendo as lagrymas que chora, (D)
Da noite entrou dos immortaes pesares, (C)
E ella de todo mergulhou na aurora. (D)

Adoptei a terça-rhyma em alguns poemas, dispersos por varios livros e aqui colligidos, mas optei por fechar a estrophação ainda em tercetto e não em quartetto, voltando à rhyma do primeiro verso, reflectida no segundo verso da ultima estrophe. Vez por outra, o experimentalismo excappou tambem desse padrão, como no madrigal “Inintellectual” ou na ode “Ambulatorial”. Thematicamente, não me prendi à tradição classica e variei do escatologico ao eschatologico contexto, mas mantendo o rigor formal mesmo em face do jargão fescennino, de maneira a não decepcionar aquelles leitores fieis ao imaginario delirante dum cego visionario.


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