Estamos vivendo uma época em que as nossas vidas parecem estar sendo mensuradas de acordo com as imagens e mensagens que circulam sobre nós em redes sociais... e já não se tem controle sobre tudo o que é veiculado por nós, ou não... se aquelas são as memórias que nós gostaríamos de deixar para quem amamos, ou não... Se todos os momentos foram vividos com intensidade, ou apenas clicados, digitados, gravados...
Mas, este livro nos leva de volta ao porquê de registrar as nossas memórias. Essas artesãs revelam em seus sentimentos, vivências e afetos... os nossos!
Para apresentar as Mulheres Artesãs do Alto do Moura é preciso começar por contar o orgulho que sentimos ao viver tal experiência. A obra explica o simbolismo que o barro tem na vida dessas mulheres, de forma individual e coletiva. O que cada uma delas viveu foi sendo contado pela expressão das palavras e pelos movimentos com que moldavam as suas obras... enquanto os capítulos deste livro eram escritos.
O grupo Flor do Barro nos ensina muito mais do que se pode aprender num livro, mas é maravilhoso ter em mãos esses depoimentos, acompanhados de fotos e vídeos, onde cada uma dessas artesãs partilha, conosco, sua trajetória, seus anseios e seus sonhos. Ao longo de quatro capítulos, compreendemos sobre as famílias que fizeram história no Alto do Moura, através da arte do barro; sobre os ancestrais considerados como as raízes dessas famílias; sobre as mulheres consideradas como árvores que mantêm a arte viva e sobre os seus frutos, que são as gerações que mantêm vivas as tradições.
De forma muito respeitosa e humana, esta experiência é contada “de pertinho” pelas professoras Eliana Ismael e Kátia Cunha. A leitura segue como uma conversa com as artesãs, onde as falas das autoras se integram às falas de cada uma delas - como se nós estivéssemos, novamente, num atelier, ao fim da tarde. Mas ao mesmo tempo, o texto nos remete ao valor desta pesquisa científica, enquanto estudo sócio-cultural e registro determinante sobre a arte que essas artesãs desenvolvem num contexto onde, historicamente, esse artesanato sempre era reconhecido como um ofício dos homens.
O reconhecimento à voz e à obra dessas artesãs ganhou luz a cada fotografia e a cada trecho de entrevista, cuidadosamente escolhido para contar suas vidas no livro Mulheres Artesãs do Alto do Moura. Um projeto que se tornou um presente! Um “vaso de barro repleto de histórias VIVAS, que foram registradas com respeito e carinho e com o devido reconhecimento histórico, pela sua importância cultural. Houve um encontro, em especial, que marcou bem a tod@s: as artesãs construíram com barro, juntas, uma árvore genealógica. Colocaram ali os frutos que simbolizavam as suas filhas e netas, mas também raízes para simbolizar as suas mães e avós. Gerações e gerações que viveram e sobreviveram do barro, por amor à arte e também pela necessidade de alimentar as suas famílias...
Naturalmente, também citaram os seus pais, filhos e netos como parte dessa árvore genealógica. Todas construíram a árvore... relembrando o passado e marcando no barro a importância de firmar um futuro. Existia ali um orgulho em ser artesã, mestra, mãe, tia, filha, irmã, neta... em ser mulher... em ser alguém que se orgulha de quem é e do que produz... que se orgulha de SER quem é... e de se reconhecer digna... de ter uma história de vida... como alguém que tem valor para si mesma... e para o grupo ao qual pertence... Assim como no barro... tudo começa em nós... tudo termina em nós.
Naquele dia, ficamos pensando, olhando para aquela árvore... e olhando para toda aquela gente... para alunos e para professoras... olhando o orgulho daquelas artesãs, ao segurar aquele barro, com tanta força e energia... todos juntos... pensando assim: “Que aquele poderia ser apenas mais um encontro, mas, para nós, ficou o sentimento de que a simbologia do barro e daquele encontro nos ensinou o que elas estavam dizendo, ali, de uma forma tão simples e inigualável... sobre a importância de nós preservarmos as nossas raízes, de moldarmos cada um dos nossos frutos e nos orgulharmos de quem fomos e de quem nos tornamos, continuamente... e sempre.”
Nos orgulharmos para nós mesmas! A intensidade do que foi vivido está em nós! A vida da gente parece de barro... de barro se faz... se desfaz... e se refaz... Luciana L. Freire |