Em meados da década de 1990 florescia no país uma produção de quadrinhos que em nada se enquadrava nos padrões do que era veiculado no mercado. De forma independente, circulando nos fanzines e autoedições, o que passou a ser chamado de quadrinhos poético-filosóficos era a expressão mais pessoal de jovens quadrinistas que ousavam experimentar usando os recursos da linguagem, propondo novas abordagens temáticas, estéticas e modo de criação.
Para aglutinar essa produção, foi criada a revista Tyli-Tyli, depois rebatizada Mandala, pela editora Marca de Fantasia, em 1995. De início, a revista se propôs a publicar os trabalhos de Flávio Calazans, Edgar Franco e Gazy Andraus, então os mais inventivos e prolíficos na área. Logo a revista tornou-se não só um registro da obra desses autores, mas promoveu o despertar de outros, que viram no “novo gênero” a oportunidade de expressão de suas visões de mundo e inquietações pessoais.
A Tyli-Tyli/Mandala durou seis anos, com 13 edições, uma vida curta, porém intensa. Nela viu-se surgir inúmeras propostas visuais e textuais beirando as linguagens poética, fantástica, filosófica. São muitas as denominações desses quadrinhos extraordinários, em que cada autor encontra sua própria definição. A efervescência dessa produção era um reflexo da ânsia dos jovens por compreender e revelar as confusões e os paradoxos de um mundo num ritmo acelerado de transformação.
A própria revista viveu seu processo de autorreflexão, ao veicular vários artigos que buscavam discutir os conceitos e motivações para esse gênero de criação artística. A discussão extrapolou o espaço exíguo da publicação e chegou à academia, em trabalhos apresentados em congressos e publicados em livros.
Um dos que mais se interessam pelo estudo dos quadrinhos poético-filosóficos é o professor Doutor Elydio dos Santos Neto, que realizou seu pós-doutorado no Instituto de Artes da UNESP com a pesquisa “As Histórias em Quadrinhos poético-filosóficas no Brasil: contextualização histórica e estudo das interfaces educação, arte e comunicação”. Com base no trabalho dos autores referenciais do gênero – Calazans, Franco e Andraus –, e tomando a Tyli-Tyli/Mandala como uma de suas fontes, a pesquisa de Elydio demonstrou a importância e a densidade dessa produção, resgatando-a da “marginalidade” da autoedição à relevância de objeto de estudo acadêmico de alto nível.
Em 2012, no quadro da editora Marca de Fantasia, Elydio propôs a edição de seu vasto material de pesquisa, basicamente as entrevistas que fundamentaram seu pós-doutorado, numa série de livros reflexivos sobre os quadrinhos poético-filosóficos. Nesse ano, saiu o primeiro título, Os quadrinhos poético-filosóficos de Edgar Franco: textos, HQs e entrevistas, de autoria de Elydio. Outros pesquisadores também se interessaram pela série e lançou-se no mesmo ano o livro Edgar Franco e suas criaturas no Banquete de Platão, por Nadja Carvalho.
Agora é a obra de Gazy Andraus que ganha relevo na visão de Elydio dos Santos Neto. Gazy é um dos autores mais seminais dessa geração, radicalizando no processo intuitivo de criação. Sobre ele, é melhor acompanhar o profundo e brilhante trabalho de Elydio, que provoca e revira os conceitos engessados da academia.
Henrique Magalhães