Prefaciar o trabalho de Keliene Christina da Silva é um grande prazer e, nesse momento, é bom confessar de saída que minhas palavras sobre este texto não são nenhum pouco isentas e estão contaminadas pelo orgulho, no bom sentido, de ter uma participação nessa trajetória como orientadora do trabalho que deu origem à obra.

Dito isso, aconselho o leitor a caminhar por suas páginas, outrora objeto de longas discussões e de reescritas e perceber os caminhos pelos quais o cumprimento de uma etapa na vida acadêmica da autora, a produção de sua dissertação de mestrado, se constituiu num trabalho de excelência e qualificou uma pesquisadora de história num campo ainda pouco frequentado por nossos acadêmicos: a arte sequencial.

O texto, que ora se transforma em livro, representa a maturação de uma ideia que nasceu da paixão de uma menina pela literatura em quadrinhos. Seu impulso vital vem, portanto, da fase mais poderosamente criativa da vida, a infância, com sua força de base lúdica. A menina que gostava de quadrinhos levou-os para a universidade e transformou o lúdico em trabalho e prazer, tirando das charges e das tiras cômicas, o mote para discutir histórias adultas que entrecruzam a política e o humor.

Keliene trabalha com a produção da revista Chiclete com Banana e os fantásticos personagens criados por Angeli, como Meiaoito e Nanico, os Skrotinhos e a Rê Bordosa. Nesse percurso, contextualiza o artista como parte de uma geração intelectual que resistiu à ditadura militar, viveu criticamente a abertura e satirizou os novos governantes, tão ligados à República dos Generais. A autora traça, também, o percurso da revista Chiclete com Banana, como iniciativa de um grupo de artistas, de “intelectuais do traço e do humor” que guerrilharam numa trincheira simbólica com a ditadura e continuaram entrincheirados como consciência crítica da sociedade no processo de redemocratização.

É nesse ponto que começa o trabalho mais criativo da autora, quando se volta para a análise dos personagens históricos caricaturados satiricamente pelo artista na conjuntura dos anos 1980, quando o Brasil transitou pela abertura. Nessa fase, os artistas do humor político, entre eles o autor estudado por Keliene, registraram os impasses e limites da redemocratização brasileira e a frustração de todos aqueles que esperavam mudanças mais profundas no sistema de mando elitista e na cultura política brasileira, e que apostaram suas fichas num processo mais radical do que aquele que foi parido pelos acordos e acomodações de um processo que abortou as Diretas Já em 1984.

O leitor desta obra irá se deparar com charges como a de uma miniatura de José Sarney transformado em apoio de livros, e outra que o revela como enchedor de linguiça; ou uma série de charges satirizando a Frente Liberal, a Aliança Democrática e os típicos políticos da Nova República. As esquerdas, por seu turno, são satirizadas na figura deslocada de Meiaoito e sua persistência num discurso revolucionário que já se revelava anacrônico.

É assim que Keliene Christina da Silva, historiadora e amante da arte dos quadrinhos revisita a Nova República brasileira pela ótica de um artista do traço e do humor, articulando textos e imagens, e analisando as representações de Angeli a propósito de um tempo em que as esperanças de uma democracia radical foram substituídas pelo tempo em que na República dos Bananas as aparências só enganavam os mal avisados. Boa leitura.

Regina Behar
Doutora em Ciências da Comunicação da USP,
Professora de História, na Universidade Federal da Paraíba

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