Os quadrinhos não precisam mais que uma ideia espirituosa para encantar, para mexer com a sensibilidade de seu público. Essa é uma das chaves para entender como as tirinhas são tão prestigiadas nos jornais que ainda as publicam. De mero entretenimento, é possível e desejável trabalhar o humor em seu sentido mais transgressor, o que provoca a reflexão, que instiga o leitor a jogar com as releituras que perpassam suas mensagens.
Samuel de Gois trabalha com essa premissa ao criar as pequenas pérolas que publica em blogs e edições independentes. A série de tiras e cartuns que constitui este álbum nos mostra sua capacidade criativa, abordando com sutil ironia as aparentemente banais situações do quotidiano. Mitos, tradições, lugares-comuns são um bom motivo para a desconstrução provocada pelo humor de Samuel, que não poupa nem mesmo as opiniões consensuais.
O título do álbum – Filosofia de banheiro – já demonstra a irreverência do autor, que minimiza a importância de suas tiradas filosóficas, mas que ao fim e ao cabo serve para valorar a despretensão com que é construída sua obra. Sim, se trata de filosofia, ao se considerar a filosofia como um olhar pessoal para as questões que nos cercam. O lado filosófico das tiras de Samuel estão na particularidade de sua arte, em seu texto poético, assim como em seu trabalho gráfico, que ganha forma como uma expressão espontânea, caligráfica, personalizada.
Essas características remetem aos conceitos dos quadrinhos poético-filosóficos, que ganharam uma fenomenal importância entre alguns quadrinistas brasileiros e pesquisadores ligados à academia. Em geral esses quadrinhos têm na reflexão seu fundamento, extraindo das inquietações do autor os argumentos para sua criação. São quadrinhos com forte teor metafísico, espiritualista, antecipatório e profundamente filosófico na exposição das idiossincrasias.
Os quadrinhos de Samuel de Gois se configuram numa outra vertente dos quadrinhos poético-filosóficos, aquela de não se levar muito a sério, de pensar mais com humor que com a racionalidade cerebral. O que não significa ausência de pensamento e reflexão, ao contrário; as tiras humorísticas com pitadas reflexivas são das melhores traduções do que poderíamos denominar “poético-filosófico”. Samuel de Gois é mestre nessa expressão.
H. Magalhães
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