O rasgão no real é um pequeno ensaio sobre ficção científica e metalinguagem, escrito em 2001. O texto surgiu de um convite que me foi feito por Moacy Cirne para participar de uma possível antologia de ensaios sobre FC, a ser publicada pela Editora Vozes, a exemplo de uma edição especial da Revista Vozes sobre FC (junho-julho de 1972). Escrevi o texto, mas a antologia acabou não saindo. Submeti-o depois a uma editora, que gostou, mas considerou que era algo muito curto para ser publicado independentemente. Ficou na gaveta (ou melhor, no disco rígido) até que Henrique Magalhães me pediu algo para a série Quiosque (primeira edição, 2005), que tinha o formato e o tamanho certos para ele.
Meu ensaio procura examinar algumas das técnicas da metalinguagem literária, e o modo como elas se aplicam à ficção científica. A metalinguagem é qualquer processo de criação artística em que as técnicas e os procedimentos criativos são revelados na obra, em vez de ficarem ocultos. Ao invés de exibir apenas a obra pronta, o artista exibe também o modo como ela foi (ou está sendo) feita; ao invés de tentar oferecer a obra como um pedaço da Realidade, demonstra de modo explícito o seu caráter de “coisa artificial”; ao invés de ocultar-se por trás da obra pronta, interpõe-se entre ela e o público, interfere, dialoga, comenta.
Um conceito importante que abordo é o da “Mídia Ambiente”, ou seja, o meio ambiente artificial criado à nossa volta pela TV, pelo cinema, pela publicidade, pelas imagens e mensagens cada vez mais invasivas em nosso cotidiano. Estamos cada vez mais imersos em formas híbridas do Real e do Artificial. Temos dificuldade em distinguir entre “o que aconteceu de verdade” e o que “foi mostrado”, porque temos cada vez mais acesso a representações da Realidade, e menos acesso à Realidade em primeira mão.
Um dos meus pontos de partida foi o livro Time Out of Joint de Philip K. Dick, que me parece um exemplo quase esquizoide de romance mainstream e romance de FC misturados um ao outro. Duas concepções do “real literário” que se excluem mutuamente, numa mesma história, e que exprimem a tortura mental de Dick numa época em que trabalhava como um louco nos dois gêneros.
Braulio Tavares |