As tirinhas com seu conteúdo ao mesmo tempo crítico e humorístico são uma marca incontornável da linguagem das histórias em quadrinhos. Elas foram responsáveis pela disseminação dos quadrinhos pelo mundo, popularizando-os por meio de sua veiculação nos jornais diários. As personagens caricaturais, mas cativantes, as tiradas surpreendentes e de leitura rápida, próprias desse gênero de quadrinhos, contribuíram sobremaneira para a formação do público e para a confirmação de uma nova força expressiva nos meios de comunicação de massa.
Surpreende-nos que, apesar da popularidade das tiras e de seu rico repertório de personagens, raros pesquisadores tenham se dedicado a estudar o fenômeno. Talvez o fato de as histórias em quadrinhos terem amargado a desconfiança do meio acadêmico e da sociedade em geral durante tantas décadas tenha contribuído para que até há pouco elas ainda fossem consideradas como uma subliteratura, um mero passatempo muitas vezes acusado de deletério à infância e à juventude.
Se as histórias em quadrinhos já gozam por alguns estudiosos do status de arte – a nona arte, como querem os franceses –, as tiras diárias humorísticas ainda são vistas como entretenimento, colocadas ao lado dos passatempos que amenizam a sobriedade dos jornais. É bem verdade que muitas tiras publicadas no país, que nos chegam por intermédio das distribuidoras estadunidenses, não passam de pura derrisão, alienadas do contexto político e social. Essa superficialidade é quase uma condição para que a tira possa se inserir nos mercados de diversos e díspares países.
Mas o que dizer das tiras brasileiras produzidas a partir da década de 1970? Elas trazem consigo um conteúdo quente, de crítica política e de costumes, retratando com aguçada ironia os paradoxos de nossa sociedade. Esse tipo de tira humorística transita entre a charge e o cartum, sendo ao mesmo tempo atual e intemporal, como ocorre com Rango, de Edgar Vasques e Zeferino, de Henfil.
O trabalho de Marcos Nicolau se debruça a investigar a tira quanto a sua importância para o jornalismo, classificando-a como um gênero opinativo de mesmo nível que um editorial. Esta premissa segue o mesmo pensamento de Erico Veríssimo, que na apresentação do primeiro livro de Rango, de Edgar Vasques, considera que cada uma de suas histórias em quadrinhos vale por um editorial de jornal, “mas um editorial realista, corajoso e pungente”. A proposta de Marcos é amplamente válida e abre margem ao desenvolvimento de outros estudos sobre o tema. Um olhar livre sobre as tiras é mais que recomendável e urgente para resgatar do ostracismo acadêmico uma das expressões mais originais e criativas de nossa capacidade reflexiva. H. Magalhães |