Assunto de moda, os quadrinhos, todavia, continuam sendo, como afirma Thierry Groensteen, uma matéria pouco conhecida. Em seu ensaio, Thierry reforça o conceito dos quadrinhos como arte, ao destacar seus códigos particulares, sua linguagem própria, seja representada pelos cortes, pelas elipses, seja pela paginação, e acrescentamos a invenção do balão, das onomatopeias e os inúmeros sinais gráficos tão plenos de representatividade.
Para quem foi educado lendo quadrinhos, nada mais natural que deixar fluir sua dinâmica, que não demanda nenhuma explicação. No entanto, Thierry aponta o que ele chama de estranhamento e ignorância de boa parte das pessoas que nunca leram uma revista em quadrinhos, em particular aquelas que sentiram a repressão sobre essa forma de expressão. A essas pessoas ele atribui a curiosa classificação de anicônico, uma analogia a analfabeto, ou seja, aquele que não entende os ícones, pessoas com uma formação essencialmente textual.
Há que se considerar, também, que, mesmo para aqueles que são alfabetizados pelas imagens, ainda que essa fruição linguística seja absolutamente natural, o universo que circunda a criação, a produção e a circulação dos quadrinhos engendra um processo muito mais complexo que o que se vê na lógica aparente do mercado. É por esse e outros aspectos que a teoria se torna necessária e como tem demonstrado, inesgotável. Não basta ser aficionado por quadrinhos para entender o que rola nos bastidores de sua produção. Para uma visão mais ampla sobre as políticas editoriais, formação de público e de mercado, renovação do meio e identidade cultural é preciso um pouco de reflexão – ou muita.
O texto de Thierry Groensteen ganha importância não só por sua análise minuciosa sobre os gêneros mais populares de quadrinhos, mas também por elucidar os meandros do que de fato ocorre no país da bande dessinée. Ao contrário do que se pensa – e em muitos pontos se pensa certo sobre a efervescência dos quadrinhos na França – nem tudo é tão promissor quanto parece. Apesar de os quadrinhos franceses terem se tornado uma arte renomada, existem ainda focos de resistência em considerá-la uma arte “séria”. Para muitos educadores e autoridades, os quadrinhos são ainda um passatempo infantil, próprio para iletrados e acometidos de preguiça mental.
Por outro lado, o que resta da grande agitação dos quadrinhos na França, segundo a análise de Thierry, é a acomodação de um mercado que teme o investimento no novo, que reserva aos autores que ousam criar uma obra mais autoral e experimental as pequenas tiragens, quase confidenciais em relação às vendas abundantes de alguns poucos títulos consagrados.
Thierry Groensteen propõe algo como uma pedagogia para as histórias em quadrinhos, com o objetivo de ultrapassar o estágio da educação de leitura da imagem onde nos encontramos. O objetivo seria a formação do gosto do público para a apreciação do desenho. A representação do desenho, assim, deixaria de estar em segundo plano nos quadrinhos, em função da história, tornando-se “uma escrita singular, a expressão de uma sensibilidade e o resultado de uma habilidade”. A evolução dos quadrinhos na França, no Brasil ou em qualquer parte, passa, portanto, pelo amadurecimento do público, com o refinamento de seu gosto e discernimento. Henrique Magalhães |