Uma das coisas mais difíceis, ainda que não pareça, no mundo dos quadrinhos, é a criação de um bom personagem. Não são muitos os autores que conseguem.
Henrique Magalhães conseguiu esse feito há 30 anos, com a criação de Maria, produzida principalmente para o formato tiras. Maria é uma personagem forte, carismática, tratando de temas não usuais nos quadrinhos, sempre de forma inteligente e bem-humorada. Em outra ocasião, já tive a oportunidade de colocar Maria no mesmo patamar de outras grandes tiras como Rango e Zeferino. Talvez Maria fique a dever apenas no item quantidade. Infelizmente Henrique não produziu Maria de maneira constante e continuada. Por vários motivos. Talvez até a falta de espaço para publicação tenha sido um deles. Mas o fato é que Henrique se dedicou a muitas outras atividades, como a edição de fanzines e a carreira acadêmica cursando pós-graduação no Brasil e na França, e com isso seu trabalho como autor de quadrinhos ficou prejudicado.
E, vejo agora com maior clareza, não só Maria foi preterida. Eu já conhecia alguma coisa deste trabalho de Henrique, as tiras Rendez-vous. Mas como todo irmão menos famoso, foi eclipsado pelo brilho de Maria e não dei maior atenção a ele. A reunião destas tiras neste primeiro volume da série Das tiras, coração, formando um conjunto coerente, equilibrado, mostra muito bem a qualidade do caçula. Aliás, Rendez-vous pode até ser considerado uma extensão de Maria. Pois está presente também em Rendez-vous o tema que é mais caro a Henrique: a defesa das minorias oprimidas, das vítimas dos preconceitos, dos marginalizados pela sociedade. Em Maria o enfoque principal era a condição da mulher inferiorizada e a repressão à livre expressão do amor. Em Rendez-vous, Henrique expande o tema: fala da crise de identidade dos transvestidos; do calvário dos profissionais novatos; do quadrinhista nacional; do negro e sua busca de afirmação cultural; dos hippies, os derrotados da grande revolução da “paz e amor”; dos esotéricos; e, novamente, da mulher, agora na pele da dona de casa.
Com Rendez-vous, Henrique Magalhães continua o que começou com Maria: a dignificar as histórias em quadrinhos brasileiras com um trabalho sério, competente, refletido, de qualidade; e a inscrever seu nome na história dos quadrinhos brasileiros.
Edgard Guimarães |