Relicário Mais   


Leitura em camadas

 

Henrique Magalhães
24/06/2024

A tira humorística muitas vezes apresenta uma mensagem simples e direta, mas também pode exigir uma leitura mais complexa. Vamos estudar como se constrói um texto em camadas, que possibilita várias leituras.

No quotidiano, quando em grupo, há momentos em que a comunicação se torna restrita a duas ou três pessoas, que riem de algo que para os outros não tem qualquer sentido. A isso dizemos que se trata de uma piada interna, que faz parte do repertório apenas dessas pessoas e não é partilhado pelo grupo.

Aí você encontra uma camada de leitura subjacente, que requer um conhecimento prévio para o entendimento. O humor funciona assim. O óbvio, o que é comum a toda a gente, é a linguagem ordinária, construída como elemento cultural de um povo, uma região ou mesmo de uma comunidade.

O humor é a quebra dessa obviedade na linguagem ou no comportamento. Mas para que faça sentido, essa quebra precisa contar com uma segunda camada cultural, que permeia essa mesma comunidade. É o duplo sentido, o não-dito, a metáfora, o pleonasmo, o contraditório, o inesperado, que gera essa quebra e faz a graça, ou o humor.

Às vezes nem é engraçado, mas é espirituoso, traz novo sentido à sentença dada. O humor, então não se restringe ao riso. Contrariamente, instiga a reflexão sobre outras possibilidade de leitura do mundo, das coisas corriqueiras do dia a dia.

Uma simples tira pode trazer várias camadas de humor, criando sentidos de leitura de acordo com o repertório do leitor. Quanto mais simples a tira, mais universal será seu humor. Mas há as que atingem públicos diversos, pois que trazem exatamente várias camadas de humor.


Tomando o exemplo da tira de Maria, “Marcas”, podemos encontrar três leituras a partir do texto, mas também das expressões iconográficas. Uma é a que diz respeito ao que representa o texto. Pombinha recebe de Maria uma caixa de bombons em forma de coração, então deduz que é por causa do Dia dos namorados.

Maria, contrariada, retruca que não, causando uma perplexidade gerada pela contradição. O leitor também comunga do pensamento de Pombinha.

Então Maria diz, enfaticamente: “É o Dia das namoradas!" Aí temos uma gag pronta, que conta com dois sentidos, o de gênero, subvertendo o texto por intermédio da língua; e o da sexualidade, reforçando o amor homossexual em contraponto ao que se convenciona como “namorados”.

Um terceiro sentido desponta em uma segunda gag na mesma tira, que extrapola os dois anteriores, mas que também se soma a eles. Ao abraçar Maria, Pombinha diz: "Não perde a chance de marcar território".

Nessa leitura encontra-se o caráter contestador e subversivo de Maria, ao utilizar a afirmação da orientação sexual, bem como ao reforçar seu lado sedutor, de controle da situação ou busca de domínio do território. O território da língua, do sexo, do amor.

Com qual dessas leituras você percebeu essa tira?

Assista ao vídeo em https://youtu.be/2KJBaSNgqsM


Marca de Fantasia
Junho de 2024
Editor: Henrique Magalhães
  Rua João Bosco dos Santos, 50, apto. 903A. João Pessoa, PB. Brasil
  Cep: 58046-033. Tel (83) 998.499.672

  Contato: marcadefantasia@gmail.com -  https://www.marcadefantasia.com