A disseminação das mídias digitais possibilitou a criação de uma extraordinária rede de comunicação descentralizada e democrática, tornando cada consumidor ou leitor fonte de irradiação de suas próprias opiniões. Era exatamente este o princípio dos fanzines que pulularam nas décadas de 1970 e 1980, quando inúmeras publicações surgiram em todo o país. Mas nessa época se tratavam de pequenos boletins impressos, inicialmente mimeografados, depois em fotocópias, provocados pelo avanço tecnológico e redução dos custos.
Malgrado as facilidades advindas com o meio digital, que encantou muitos dos editores de fanzines da geração “recorta e cola”, o entusiasmo inicial da mudança de modo de produção e veiculação não trouxe a renovação vigorosa dos fanzines, que já dava sinais de esgotamento na década de 1990. Mas a história não termina aí. Os fanzines viraram ezines, que viraram blogs, chats, fanpages, sites e comunidades em redes sociais, ou seja, se diluíram em outras formas de comunicação imediatas e pouco fidelizadas.
Não é com surpresa que vemos a cada edição do fanzine QI, de Edgard Guimarães, a seção de resenhas minguar ao quase desaparecimento, sendo os mais tocados pela queda na produção os fanzines de quadrinhos, que paradoxalmente em épocas anteriores era das mais viçosas. Os fanzines, contudo, não morreram, e não morrerão enquanto houver um entusiasta ávido para expor suas ideias, seja no meio digital, seja no impresso. Renato Donisete é um desses, ao manter o seu Aviso Final Zine por décadas (o número zero saiu em setembro de 1990), cumprindo o ritual de edição, impressão, divulgação e circulação que caracteriza bem o ofício de editor de fanzine.
Aviso Final Zine chega ao número 34 em edição de outubro/novembro de 2016. São apenas 100 cópias numeradas para aficionados muito bem escolhidos, formadores de opinião e comprometidos com a resistência dos que propagam o lema punk do “faça você mesmo”. Aviso Final Zine é uma publicação voltada prioritariamente ao rock em suas diversas nuanças, mas abre espaço também para os quadrinhos, seja com a publicação de HQ curtas, seja na divulgação do que circula no meio independente.
Esta edição, com a participação do companheiro Marcio Sno – este também um dos notáveis resistentes –, traz matéria com a banda finlandesa de hardcore/metal Terveet Kädet, fazendo uma boa retrospectiva do trabalho do grupo e entrevista com o vocalista Läjä, que fala das perspectivas da banda. A segunda matéria longa do fanzine fala da Nuclear Fröst, banda de hardcore de São Paulo, com bate-papo com Gabi Crust Force, que assume o vocal.
Como é de tradição, Aviso Final Zine também tem sua seção de resenhas, cujo espírito de camaradagem faz a produção do meio circular. São resenhas de fanzines de rock e de quadrinhos e outras produções independentes, como jornais e revistas, bem como CD e EP mostrando a ainda efervescente cena alternativa. Aviso Final Zine tem nesta edição o simpático formato “cordel” (10,5x15cm) em papel craft, o que lhe dá um charme a mais. Num tempo de escassez e apatia, em que o meio digital virou palco de futilidades, a resistência do fanzine de Donisete é uma lufada motivadora.
Henrique Magalhães