2022: uma jornada extraordinária
Como a cada início de ano, fazemos o balanço editorial do ano que passou com a constatação de que o trabalho segue firme, acima das expectativas, o que demonstra o vigor de nosso empreendimento. A produção de 2022 bateu o recorde de lançamentos de livros inéditos e reedições, revistas e álbuns; foram 46 publicações, quase que uma por semana, num esforço individual que se somou à própria produção autoral de fanzines, pranchas e charges com a personagem Maria.
Para chegar a essa amplitude conto com a generosidade e o engajamento dos autores, que têm na Marca de Fantasia uma plataforma colaborativa, como uma cooperativa em que cedem sua produção cultural para compor nosso programa editorial. Essa participação engendrou, inclusive, a atitude alternativa que vimos tomando já há algum tempo e que se consolida agora.
O objetivo de nosso projeto editorial sempre foi o de promoção das obras e autores, quer sejam amadores ou profissionais. A contribuição das obras é o que impulsiona nosso trabalho abnegado. Ao contrário do mercado, que tem seus próprios princípios e regras, desde o começo nos guiamos pela difusão e não pelo lucro, ainda que seja legítimo ter-se a obra cultural como produto comercializável.
As publicações impressas, quando não subsidiadas, precisam da venda para mover a máquina de novas publicações. A venda é um imperativo que de algum modo segrega parte dos leitores. Essa condição vai de encontro de nosso projeto de ampla difusão e levou-vos a optar pela edição digital, que traz redução máxima dos custos e processos produtivos, bem como eliminação de valores postais, comissão de venda, consignação, estoque etc.
O primeiro livro que lançamos no formato digital foi Estudos do Discurso: diálogos entre Nietzsche e Foucault, organizado por Nilton Milanez em 2010. Na altura, esse tipo de produção estava ainda em seus primórdios, mas conseguimos trabalhar com os recursos de navegação disponíveis nos programas de editoração, assim como tiramos proveito das facilidades oferecidas pela internet. A partir daí temos aperfeiçoando nossa prática construindo projetos editoriais mais elaborados, estética e funcionalmente mais adequados.
No início tentamos vender os livros digitais por valores simbólicos, para fazer frente ao hábito disseminado de se querer tudo disponível sem custo na internet, mas rendemo-nos à realidade ao observar a baixa procura dos livros, não só dos digitais, assim como a dos impressos. Decidimos dar ênfase ao nosso propósito de ampla difusão das obras, razão inequívoca e compactuada com os autores para a existência da editora. Em 2022 tomamos a decisão de nos dedicar exclusivamente à edição digital e disponibilizá-la gratuitamente, favorecendo o acesso livre e irrestrito das obras.
Boa parte de nossa produção tem origem na academia, com trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses. Entendemos que o papel da editora é de retirar esses trabalhos das gavetas e arquivos institucionais e torná-los públicos, contribuindo para novas investigações sobre os sujeitos editoriais a que nos dedicamos. É certo que o acesso livre aos livros não traz ganho financeiro para os autores nem para o editor, mas contamos que, além da divulgação da obra, do registro do ISBN, que conta como produção intelectual, o autor já teve retorno com a titulação obtida com o trabalho original.
Ao mesmo tempo em que praticamos um tipo de militância cultural, a difusão livre das obras assemelha-se a uma atitude contracultural. Em contraponto a um campo de produção excessivamente mercantil, dirigido aos produtos considerados "comerciais" e de lucro fácil, propomos a diversidade, a cultura de nichos, a experimentação, o estranho, a provocação e o que possa nos trazer algo de novo, cujo terreno se semeia longe da aridez do mercado.
Henrique Magalhães
01/01/2023
Mensagem de Anita Costa Prado sobre balanço editorial 2022
Bom dia, Henrique
Li o artigo completo e vou tecer algumas considerações.
Sou favorável a disponibilizar gratuitamente a edição digital. Sempre envio para as pessoas e acho uma boa ferramenta de divulgação.
No entanto, lembro uma mulher relatando que a organização social da qual ela fazia parte, parou de dar roupas gratuitamente. Observaram que ao longo do tempo, as mesmas pessoas pegavam as roupas e depois descobriram que elas usavam até ficar bem suja e iam pegar outras, jogando fora as anteriores pois sabiam que teriam sempre novas doações.
Aí decidiram cobrar um valor simbólico, tipo 0,50 centavos ou 1 real. Pode parecer pouco para nós mas para eles era muito. Resultado. Diminuiu a frequência do retorno das mesmas pessoas. Começaram a lavar as roupas, ao invés de jogar fora. Acho que vc vai entender o de quero chegar. As pessoas não dão o devido valor ao gratuito.
A editora vai ser uma espécie de arquivo digital e isso é importante para pesquisadores, estudantes e maiores interessados.
Por outro lado, os leitores em geral não darão o valor devido. Posso estar enganada mas vejo dessa forma.
Lembra qdo vc fez uma promoção das publicações impressas? Teve alta procura e isso limitado a uma divulgação razoável. Imagine se fosse mais ampla.
Acho que a editora tem estrada, reconhecimento e poderia atingir um público leitor muito maior e pagante.
Por outro lado, sei que vc é como eu, mas pelo menos pense no assunto.
Eu distribui para meio mundo o mini zine com o Sno e os bottons Katita e Dodô mas sei que seriam vendáveis (uma amiga os vendeu em feiras). Acho que nos falta gente com visão e ação de marketing. Esses dias vi a divulgação de um lançamento independente, mas com forte “marketing” digital. Comprei. Henrique… um lançamento bom na intenção mas repleto de erros, enfim…
Os seus lançamentos são infinitamente melhores e mais caprichados, mas sem esse “forte marketing digital”, tipo os patrocinados do face, não chega a um público mais amplo como essa publicação que citei chegou.
Ou seja, coisas boas e profundas continuarão restritas, mesmo gratuitas e sem o valor merecido.
Anita Costa Prado <anitacostaprado@gmail.com>
Em 02/01/2023
Radicalidade e fantasia
Em resposta ao balanço editorial de 2022, divulgado no sítio da editora Marca de Fantasia e volante por meio de email, Anita Costa Prado enviou uma mensagem que toca em um ponto que me dilacera há muito tempo: a questão da valorização da obra e o acesso do público. Desde que lancei o primeiro livro digital que me debato com isso.
Como dito no balanço editorial, por longo período estabeleci um valor simbólico para a venda dos livros digitais exatamente para não banalizar o trabalho do autor, nem o meu como editor. O valor baixo - algo como um bilhete de ônibus - serviria mais para educar o público a colaborar com o esforço e a proposta editorial que para obter lucro. Procurei contrapor o hábito de se querer tudo de graça na internet, mas sem pesar no orçamento de ninguém.
Essa tentativa de chamar ao compromisso os leitores para a manutenção da editora foi, infelizmente, um fracasso. Poucos livros tiveram venda significativa, a maioria nem isso. Não considero que as obras sejam ruins ou que não tenham sido divulgadas. Além de minha pouca habilidade para a ampla promoção, talvez tenha faltado o empenho do autor em contribuir para a divulgação de sua obra, como se faz necessário em nosso programa editorial. Somos uma editora colaborativa e o esforço coletivo na divulgação e venda das obras é uma condição incontornável.
O problema é que tenho que lidar sozinho com todas as fases da produção: da leitura à revisão dos textos, da criação do projeto gráfico à diagramação, da inserção da obra no sítio da editora à divulgação e venda. Para quem está sempre produzindo novas edições, não há como trabalhar cada título além do lançamento, quando este ganha a página de abertura do sítio, página exclusiva com resenha em sua seção, divulgação por meio de volante para os contatos da editora, divulgação para uma lista de WhatsApp e em mais duas contas no Instagram, uma da editora e outra pessoal. Mais que isso é impossível fazer.
Se o interesse fosse transformar a editora em um empreendimento comercial, com amplo alcance de público, sem dúvida seria necessário contar com uma assessoria de marketing, que dominasse as ferramentas e mecanismos das mídias. Confesso que não sei comandar grupo de trabalho, empresa, associação etc. Gosto de participar de grupos como membro, mas não tenho qualquer habilidade para liderança.
Por outro lado, o propósito da editora Marca de Fantasia nunca foi correr atrás do lucro, procuro apenas mostrar as obras que considero importantes e também formar um banco de dados, um repertório de e sobre quadrinhos autorais no país. Se tiver alcançado esse objetivo, já me dou por satisfeito. Contudo, sinto que poderia ir bem mais longe, como apontou Anita C. Prado, chegar a um público que de algum modo desconhece a importância de nosso projeto. Se para isso for preciso monetizar a editora, esse passo nunca será dado.
Ultimamente tenho ido na direção contrária. Procuro aperfeiçoar a editoração das obras, valorizo cada leitor que acessa nosso sítio e baixa as publicações. Estamos contribuindo para o fomento à pesquisa, a construção de pensamento e mentalidade, servindo de fonte para mais trabalhos científicos e acadêmicos. Encontramos, talvez, nosso público ideal. Se o público é pequeno, que seja! Esse papel que desempenhamos já gratifica todo o nosso trabalho - o meu e o de todos os autores que cedem suas obras gratuitamente.
Ao disponibilizar as obras no sítio da editora, nem considero que tenham sido pouco valorizadas. Por um tempo utilizei um contador de acessos para cada obra e o surpreendente foi que algumas tiveram uma procura extraordinária, chegando a perto de mil acessos em poucos meses, o que certamente não alcançariam se fossem vendidas, mesmo com a massificação impulsionada por empresas especializadas.
Indo mais a fundo, sempre tive um pé na contracultura, desde a formação com amigos do primeiro grupo gay da Paraíba, o “Nós também”, em 1980, à rebeldia de minha personagem "Maria", desde 1975, criada quando eu era ainda adolescente. Por que não tornar mais radical o projeto da Marca de Fantasia e abri-lo como manifesto e contraponto à mercantilização da cultura? Os autores que embarcam no projeto da editora de certa forma sabem dessa intenção subjacente. Seria talvez uma traição tentar transformá-lo em uma editora comercial.
Sei que não foi isso que Anita quis dizer em seu questionamento - e estou absolutamente de acordo com ela. Mas, em vez de empreender um esforço enorme para tentar conquistar algum naco de mercado, mais venturoso é seguir o fluxo dessa impertinência, que é editar ainda que para poucos lerem, mas ser lido por quem realmente se interessa.
Henrique Magalhães
Em 02/01/2023 |