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Três ou quatro palavras sobre Maria

 

Henrique Magalhães
20/12/2021, atualizado em 05/01/2022

Não necessariamente, o humor floresce nas crises, como forma de protesto, quebra dos paradigmas, subversão da linguagem. Maria nasceu sob essa sentença na década de 1970. Desde o início, em companhia de Pombinha e Zefinha, lutava contra a opressão às mulheres, a ditadura militar, o machismo e toda forma de discriminação.

Desde 2018, antevendo o abismo em que o país se precipitava, engajou-se na campanha política contra o abominável, que emergiu do esgoto para almejar ao poder disseminando ódio contra as esquerdas, enuviando com discurso falacioso a mentalidade do povo. Consumado o desastre, mas não se dando por vencida, Maria começava nova luta, de resistência e denúncia, quase sempre revoltada, mas bem-humorada, quando podia.

2019 foi intenso, a frequência semanal - às vezes até mais de uma prancha por semana - fez com que a personagem abordasse boa parte das contradições políticas e sociais da atualidade. Ficou evidente que não dava para acompanhar tudo, todas as aberrações que brotavam do poder e que tentavam minar a estrutura democrática, com a corrupção escancarada e a destruição de qualquer resquício de civilidade do outrora “país do futuro”.

Se antes Maria tinha a estrutura de tira - três ou quatro quadros com texto sintético e desenho simplificado -, para essa nova fase optei por trabalhar com a página - ou tira ampliada -, em que podia desenvolver o texto e dar mais espaço para as bonecas, incluindo cenário. Foi um exercício criativo que se pode considerar acertado. A complexidade das situações refletidas exigiam mais argumentos; o espaço ampliado permitiu desenhar as personagens em corpo inteiro, fazendo-me trabalhar melhor as expressões corporais e os detalhes do ambiente.

Ao contrário dos disparos massivos e maliciosos feitos por “robôs” humanos e eletrônicos nas redes sociais, as páginas de Maria foram enviadas para cerca de uma centena de endereços por meio de um aplicativo de mensagem. O objetivo era chegar aos amigos e leitores da editora Marca de Fantasia, que habitualmente recebem os volantes sobre a produção editorial. Esse meio viria ocupar o espaço menosprezado pelos jornais diários, que já tinham eliminado as tiras de suas páginas, e que, por fim, também se extinguiram.

Salvo meia dúzia de leitores que interagiam ao receber as pranchas e que as compartilhavam com seus contatos, o silêncio parecia realçar o paradoxo de nosso tempo, em que todos falam ao mesmo tempo e ninguém escuta. A falta de diálogo beira a falta de educação. Como saber se se estava agradando com as críticas de Maria ou perturbando a paz de quem não queria pensar sobre a realidade? Poucos leitores pediram para não receber mais as pranchas, a maior parte simplesmente calou.

O silêncio parece ser a principal ferramenta da indiferença. Ao não ter resposta, pergunto-me: para que fazer? Para extravasar as neuroses, para protestar, para me achar importante, para me afirmar como indivíduo em luta quixotesca contra o sistema opressor? O humor pode ser, sim, um operante instrumento de luta, mas se esvai quando sua mensagem não encontra eco, cai no vazio, ressoa apenas no grito exasperado do autor.

Este volume reúne as 50 pranchas produzidas em 2021. Em 2020 saiu o álbum Maria: a vida em turbilhão, reunindo 61 pranchas criadas no ano anterior. As 22 pranchas desenhadas em 2020 continuam inéditas em edição.

Texto publicado no álbum "Vida ordinária", em 2021, pela Marca de Fantasia.



Marca de Fantasia
Março de 2024
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