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Maria: 30 anos de humor e irreverência

Iramir Araújo
01/2019

Personagens são filhos. Dito assim, parece obvio. Talvez seja. O fato é que, quando os trazemos ao mundo, os alimentamos, vestimos, apresentamos aos amigos e procuramos dar-lhes uma carreira segura, não estamos fazendo mais do que projetarmos neles nossos desejos, ambições, esperanças e visão de mundo.

E, se quando os criamos, nos consideramos (com toda propriedade) pais, todos os nossos amigos, os que acompanham seu crescimento podem ser chamados de tios.

Eu me considero um tio. Mais do que isso, um tio coruja, que tem a felicidade de falar de uma sobrinha muito querida: Maria.

Em A incrível história dos quadrinhos – 20 anos de HQ da Paraíba, um pequeno, mas muito interessante livro, lançado em 1983 (e que já merece reedição ampliada), Henrique Magalhães, o autor do livro e pai de Maria, escreveu: “Em 1975, cansado de reproduzir os quadrinhos de Maurício de Sousa e Walt Disney, resolvi sentar e colocar a cabeça pra funcionar. Teria que sair algum personagem inédito dali. (...) Desenhei uma mulher baixinha, de cabelos encaracolados e de peitos grandes. Em paralelo ficou definido que seria uma solteirona sempre em busca de um marido”.

Mas, da mesma forma que os filhos, os personagens adquirem vontade própria. E não poderia ser diferente com Maria. Cedo ela ganhou o mundo e resolveu que ser caça-maridos não tinha muita graça e ampliou seus horizontes. Deixou de ter a “função exclusiva de divertir, fazer rir, para refletir as situações que a rodeavam, a analisar, criticar”. E o fez, engajando-se politicamente, defendendo as minorias, enfrentando a repressão e os quadrinhos estrangeiros. São impagáveis suas tiras em que desafia Madame Corporeichon, que representa, não apenas a produção estrangeira que invadiu (e ainda ocupa) o país, como também o autoritarismo e a intolerância presentes naqueles dias de ditadura militar.

Muitos outros filhos e filhas passaram a frequentar as histórias de Maria: Pombinha, seu caso explícito de amor, Zefinha que pode ser interpretada como a eterna alienada (mas que, na verdade, tem outras prioridades na vida) e, mais recentemente, Mãe Dinga, Kalula, Bicho Grilo, Magal, Virgens de Tambaú etc., quando as questões que se nos mostram diariamente, como racismo, misticismo charlatão, corrupção, e tantas outras seriam assumidas por esses novos coadjuvantes.

Agora que Maria completa 30 anos é um pai orgulhoso de sua criação que apresenta a trajetória da filha famosa em um livro delicioso.

Maria: espirituosa há 30 anos, conta do nascimento, dos primeiros passos e da conquista do mundo por Maria e seus amigos, em um texto breve e em uma coletânea das tiras mais significativas e marcantes desses 30 anos. Mas, mais que isso, é uma declaração de amor de Henrique à sua personagem.

Henrique Magalhães, paraibano de João Pessoa, é, além de cartunista, um pesquisador incansável dos quadrinhos, principalmente dos fanzines, aos quais se dedicou na carreira acadêmica publicando os resultados de seus trabalhos, ampliando o conhecimento sobre essa importante forma de comunicação. Mestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e Doutor em Sociologia pela Universidade de Paris, é também professor no Curso de Comunicação Social da UFPB.

Através de sua editora, a Marca de Fantasia, Henrique continua, coerentemente, a valorizar os quadrinhos através de várias linhas de publicação, dos fanzines a álbuns, de revistas a livros com ensaios sobre quadrinhos.

Para Gonçalo Júnior, “ele e Maria se fundem. Do mesmo modo que ela tenta mudar o mundo, pelo menos à sua volta, Henrique tem ido cada vez mais longe na valorização dos quadrinhos como arte. Sua vida se funde com a luta pelos quadrinhos mais genuínos que um dia se sonha sejam feitos no Brasil. Se existe um front, Henrique está lá, com uma bandeira em punho”.

Visite o site www.marcadefantasia.com para conhecer não só esse livro (que você não pode perder) e as outras publicações da Marca de Fantasia.

Ah, eu sou também apaixonado por Maria, desde que a conheci.

Artigo publicado em O Estado do Maranhão. São Luís, 21 de agosto de 2005, p. 4; e no fanzine Top! Top! nº 19. João Pessoa: Marca de Fantasia, outubro 2005, p. 3-5.



Marca de Fantasia
Março de 2024
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