Fanzine tem dessas coisas, toma fôlego, ganha uma legião (pequena, sei) de fãs e depois some. São muitas as razões para o sumiço de um fanzine, desde a falta de leitores até as mudanças no hábito de leitura, com o predomínio das plataformas digitais. Com o Top! Top! aconteceu tudo ao mesmo tempo. Os leitores foram sumindo até não fazer mais sentido editá-lo; por outro lado, meu trabalho editorial ganhou ritmo frenético, vide o catálogo da Marca de Fantasia.
Mas como fazer fanzine é um vício, com ou sem leitores resta o prazer de fazê-lo, que é o que sempre nos moveu. Aos poucos os órfãos do papel vão retomando o gosto pelo manuseio de um bom fanzine impresso.
Com intervalo de seis anos, o Top! Top! volta com classe dando destaque ao incrível trabalho humorístico/militante de Pestana. Vale a retomada.
Se a questão política é privilégio da charge, ao cartum cabe outro campo para a crítica, como as questões de gênero, os conflitos étnicos, raciais e sociais. Nem todo cartum tem caráter combativo, questionador, mas os que se propõem a isso enfrentam o arriscado desafio de não ceder ao senso comum, aos preconceitos e visões estabelecidas. Mais difícil ainda é fazer humor engajado, que seja capaz de confrontar não só as ideias preconcebidas quanto as contradições dos próprios movimentos sociais.
Maurício Pestana milita nesse campo minado. Essa é a definição mais apropriada para a sua arte, a militância, que tem no cartum sua arma, seu grito de guerra, sua ferramenta de luta. Quase que um Quixote em meio ao humor gráfico nacional, Pestana é negro e elege a negritude como objeto de investigação e força de expressão. Com uma obra reconhecida no país e no exterior, Pestana trabalha com precisão os conflitos que afligem uma cultura que sofre ainda hoje com a discriminação e o desprezo.
Em 2004 conheci Pestana em Teresina, no Salão de Humor do Piauí, para o qual fomos convidados. Eu para palestra e oficina de fanzines, ele para exposição de pôsteres e cartuns. Foi uma descoberta surpreendente e um encantamento por sua pessoa e obra. Aproveitei para entrevistá-lo durante o evento, mas, por vários motivos de trabalho e pessoais - o fanzine Top! Top! para o qual fora concebida, deixou de circular há anos -, só agora tem sua transcrição concluída. Apesar da defasagem de tempo, as informações e o pensamento de Pestana continuam fortes e atuais, merecedores de difusão e da retomada de nossa publicação. A entrevista contou com a participação especial do quadrinista Jô Oliveira.
H. Magalhães
Cartum de Pestana