Cordéis gráficos do Poeta Vital
O Poeta Vital é uma figura esquálida que perambula pelas ruas e praças ora tentando vender sua poesia, ora declamando-as livremente, em interação com curiosos e questionadores. As primeiras aparições da personagem de Edgard Guimarães se deram no jornal Blocos, de Leila Míccolis e Urhacy Faustino, nas edições 14 a 19, de outubro de 1993 a agosto de 1994. Tratava-se de séries de cartuns agrupados em seis que abordavam o fazer poético no contexto da cultura alternativa ou “marginal”, refletindo as agruras da autoedição e a exclusão do mercado editorial.
Em seguida a personagem foi publicada, sempre de forma colaborativa, em várias publicações, até ser criada exclusivamente para o fanzine QI, editado por Edgard, já sob a forma de histórias em quadrinhos, sem perder o caráter cartunesco (cartuns temáticos sequenciados). Nessa altura, os temas foram ampliados, colocando o poeta a refletir sobre a vida quotidiana, social e politicamente.
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Uma das discussões mais curiosas apresentadas por Edgard, por meio das falas de seu poeta, é sua própria capacidade de fazer poesia, ou sua incapacidade de fazê-la, considerando que seu “poeta” não faz mais do que verso, ainda assim assumindo a dificuldade de seguir os padrões da métrica. Claro que essa autocrítica de Edgard nos leva a refletir sobre a construção do verso em oposição à poesia e que, mesmo com a negativa do autor, sua obra reveste-se de grande valor poético por ser, quando menos, autorreflexiva.
Ao reunir a produção esparsa em um volume cujo título é simplesmente Poeta Vital, Edgard nos mostra a evolução da personagem em aspectos de traço e conteúdo, apresentando o que mais se aproxima da fusão dos quadrinhos com a literatura de cordel. A propósito, outros elementos nos remetem à literatura popular, como o formato reduzido, o caráter artesanal da produção, o papel de cores monocromáticas variadas para separar cada série de seis cartuns, a capa feita em papel kraft e impressão que lembra a serigrafia.
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O volume da edição, que tem o formato de cartão postal (10,5x15cm), no sentido horizontal, chega a 166 páginas, gerando um livro de lombada quadrada. Esse é o diferencial físico com os folhetos de cordéis, embora também haja coletâneas de cordéis em formato de livro.
Finalmente, o projeto gráfico da edição é mais uma pérola editorial de Edgard Guimarães. O livro já tem um acabamento impecável no charme da rusticidade da capa e na variação de cores dos capítulos, mas o autor foi além. Para protegê-lo do manuseio dos Correios e do translado, ele criou uma caixa de papelão sanfonado com uma espessura que caiba o volume do livro em seu seio, gerando uma nova capa para a publicação, que trás na cobertura um desenho original feito à mão.
É muito requinte desse meio independente, que pode se dar a esse luxo artesanal. É a poesia que se materializa na obra de Edgard Guimarães.
Henrique Magalhães, em 02/01/20
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Uma das sequências do Poeta Vital