Eros sempre retorna
Escrever qualquer coisa sobre Edgar Franco é sempre um grande desafio, mas daqueles em que a gente se entrega com prazer. O trabalho monumental de Edgar como que nos coloca na berlinda, diante do quase inevitável risco de dizer algo absolutamente irrelevante ou de ser redundante frente a sua obra. A professora Nadja Carvalho se propôs a esse desafio e conseguiu suplantar com desenvoltura esses dois caminhos óbvios e fáceis.
No ensaio Edgar Franco e suas criaturas no Banquete de Platão Nadja aborda o universo mítico, poético e filosófico do autor por intermédio do mito Eros, que perpassa suas criaturas por vezes enigmáticas, por vezes surreais. Edgar trabalha com o corpo erotizado em suas plurais dimensões, trazendo à baila o eterno desejo de procriação e perpetuação da espécie, ainda que hibridizada com elementos cibernéticos.
Diante de tantas leituras suscitadas pelos desenhos de Edgar Franco, Nadja optou por focalizar a presença do mito Eros, o que lhe possibilitou visualizar a procriação “pós-humana” – com referência ao universo conceitual do autor – na concepção artística de seus trabalhos. O mito Eros, segundo Nadja, alcança a todos nós, sejam amantes ou estudiosos dos quadrinhos: “Eros tem marcado a nossa existência nas artes, nos espaços do imaginário, da psicanálise, da comunicação etc.”
O arquiteto, designer, músico e quadrinista Edgar Franco desenvolveu uma obra calcada no que chamou Aurora Pós-humana, em que projeta o futuro da humanidade como um grande laboratório de engenharia genética. Mas isso é só uma base para tratar de temas universais, como o amor, o desejo de perpetuidade, a androginia e a superação do conceito de raça e espécie, por intermédio da transgenia. Seu trabalho autoral, baseado em sólida pesquisa acadêmica, se destaca não só nos quadrinhos impressos, envereda também pelas experimentações do que cunhou como HQtrônicas – ou Histórias em Quadrinhos Eletrônicas –, bem como pela música eletrônica, com suas composições ligadas ao projeto Posthuman Tantra.
Num ensaio criativo e inusitado, Nadja percorre de forma transversal a obra de Edgar Franco, dando ênfase ao aspecto gráfico, para nos mostrar seu princípio lúdico e ao mesmo tempo erótico. Seja no contexto humano ou mesmo no “pós-humano”, como realçado no universo do autor, Eros sempre retorna, numa incontornável celebração à vida.
H. Magalhães